Porque educar com amor e consciência é também enfrentar os nossos próprios vieses.

Vivemos tempos em que os discursos de medo voltam a ganhar palco. A figura do imigrante — muitas vezes negra, árabe, cigana ou simplesmente “diferente” — volta a ser instrumentalizada como ameaça, como “invasão”, como bode expiatório para problemas que são, na verdade, estruturais.
Esta narrativa não é nova. Mas o que talvez ainda nos custe reconhecer é o quanto ela entra nas escolas, nas creches, nos nossos gestos enquanto educadores e educadoras.

E, muitas vezes, sem que nos demos conta, entra também no modo como olhamos para as crianças - filhas e filhos desses “outros”.

Eu sou filha desses “outros”. Sou filha da diáspora, da fronteira, daquilo que muitas vezes foi visto como “menos”. E foi exatamente por isso que criei a formação “Diversidade Cultural e Inclusão na Educação de Infância: Um Caminho de Amor e Consciência” — não como resposta a uma situação atual ou a uma exigência legal, mas como uma proposta urgente de transformação interior e coletiva.

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Quando a escola é o primeiro espelho

As crianças olham para nós em busca de pistas:
— Eu pertenço?
— O que trago de casa é valorizado?
— A minha cor, o meu nome, a minha comida, a minha história… têm lugar aqui?

Quando a resposta, mesmo que silenciosa, é “não”, o impacto é profundo.
E não é só sobre as crianças que chegam de outros países.
É sobre as que nasceram cá, mas são sistematicamente vistas como estrangeiras. É sobre aquelas que vivem o conflito de querer caber sem deixar de ser. É sobre todas as que crescem em contextos racializados e invisibilizados — e que precisam de saber que o seu lugar na escola não está em causa.

Os nossos vieses também educam

Acredito que a maioria de nós entra na educação por amor. Mas também acredito que não basta amar. É preciso tomar consciência dos filtros com que olhamos para o mundo e para as crianças.

— Quantas vezes supomos que os pais de determinada criança “não ligam à escola” sem procurar entender o contexto?
— Quantas vezes oferecemos brinquedos, histórias ou músicas que ignoram por completo a realidade cultural de parte do grupo?
— Quantas vezes confundimos “inclusão” com “integração”, esperando que o outro se adapte a um modelo pré-estabelecido?

Estas reflexões não resultam apenas de experiências individuais — elas integram-se num movimento mais amplo e urgente. Em 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que apela ao combate ao racismo em todos os setores da sociedade, com especial atenção à educação. O documento destaca a necessidade de eliminar o racismo estrutural presente nos currículos, nas práticas pedagógicas e na formação de professores, promovendo políticas públicas que valorizem a diversidade cultural, a justiça social e a inclusão em todos os domínios — da educação à cultura, passando pela comunicação social e o desporto (Parlamento Europeu, 2022).

Mas o que falta muitas vezes é traduzir essas diretrizes em práticas concretas no quotidiano das escolas e jardins de infância. Foi por isso que criei esta formação — para ajudar educadores e educadoras a fazer essa ponte entre a teoria e a prática, entre o ideal e o real.

Um caminho que começa dentro

O título da formação não é por acaso:
Diversidade Cultural e Inclusão na Educação de Infância: Um Caminho de Amor e Consciência.
Porque é mesmo um caminho — contínuo, exigente, mas profundamente libertador.
E porque acredito que é a partir do amor e da consciência que podemos gerar uma educação mais justa, mais humana e mais inteira.

Este texto é, também, um convite. Um convite à autoanálise, à escuta profunda. Um convite para educar não apesar da diferença — mas através dela.

Porque, no fundo, educar com amor e consciência é ousar ver o outro sem medo. É reconhecer que o mundo que queremos começa no olhar que lançamos à criança que temos à frente. E que esse olhar pode, sim, ser ferramenta de transformação.

Mesmo — e sobretudo — quando o mundo insiste em temer o que é diferente.

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Protopia na Educação: Pequenos Passos com Amor e Consciência