Escutar educadores, repensar a educação

Nas últimas semanas, tenho facilitado formações em parceria com a APEI – Associação de Profissionais de Educação de Infância. Nestes encontros, para além dos conteúdos que partilho, tenho tido o privilégio de ouvir as preocupações, inquietações e esperanças das educadoras e dos educadores que diariamente estão na linha da frente da educação das nossas crianças.

Um dos pontos mais recorrentes nas conversas foi a forma como o pessoal não docente comunica com as crianças. Muitas vezes, os discursos dirigidos aos mais pequenos carregam estereótipos, frases feitas ou até um tom desvalorizador. Este não é um detalhe: é um problema profundo de comunicação. Porque não se trata apenas de palavras, mas da forma como a criança se percebe a si mesma, como se sente reconhecida, respeitada e validada.

Mas não só o pessoal não docente precisa de refletir. Também nós, enquanto docentes, precisamos de olhar de frente para os nossos próprios vieses. Eles existem — conscientes ou não — e transparecem nas nossas práticas, nas nossas expressões, nos gestos e até nos silêncios. Rever esses padrões exige coragem e disponibilidade para aprender e desaprender.

Photo by Aurora K on Unsplash

Houve ainda quem partilhasse o desânimo que já se instalou logo no início do ano letivo. Como se uma exaustão precoce tivesse tomado conta, levantando a dúvida: estaremos a andar para trás em vez de avançar? A educadora que trouxe este testemunho deu um exemplo simples mas revelador: até um “bom dia” efusivo é por vezes visto como um insulto ao status quo. Como se cumprimentar com entusiasmo fosse fora de lugar, quando afinal é desse calor humano que tanto precisamos nos nossos contextos educativos.

Outro ponto levantado foi o acolhimento das crianças de diferentes nacionalidades. Reconhecemos que a diferença deve ser recebida como riqueza, mas há o perigo de se cair em automatismos: tratar a criança apenas pela sua nacionalidade de origem, esquecendo que ela é, antes de tudo, quem é – com o seu nome, a sua história, os seus gostos, os seus afetos. Quando isso acontece, perde-se a oportunidade de construir um ambiente verdadeiramente inclusivo, onde cada criança é vista e respeitada na sua singularidade.

O que retiro destes encontros é que existe uma consciência viva e crítica entre as educadoras e os educadores. Há um desejo genuíno de fazer diferente, de melhorar a qualidade da comunicação, de não deixar que a rotina instale a apatia ou a reprodução de estereótipos. Mas também há sinais de cansaço, de frustração, de necessidade de apoio.

As formações não são apenas momentos de transmissão de conhecimento. São espaços de partilha, de escuta e de construção conjunta. São também lembretes de que educar exige presença, cuidado e coragem — e que, mesmo nas dificuldades, há sempre quem continue a remar contra a maré.

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