Quando o propósito se torna cuidado e presença na prática educativa.

No texto que partilhei na semana passada, reflecti sobre um ponto essencial: um educador cansado não ensina o que sabe — ensina o que está a sentir.
Este é um convite urgente à consciência. Porque, mais do que os conteúdos, é a nossa presença que marca o quotidiano das crianças e jovens que acompanhamos. Hoje, convido a um passo adiante: e se educar fosse também um acto de intenção profunda?
Entre burocracias, metas impostas e ritmos acelerados, educar com intenção é mais do que um gesto: é um acto de resistência. Um acto profundamente humano.

O risco de perder o fio do propósito

As planificações, reuniões e dinâmicas de sala de aula, absorvem-nos e é fácil que nos deixemos absorver pelas urgências.
Sem darmos conta, podemos entrar em piloto automático — afastando-nos daquilo que, no início, nos trouxe a este caminho: o desejo genuíno de cuidar, de acompanhar, de contribuir para o crescimento integral das crianças. Quando operamos neste registo, o cansaço acumula-se, a prática torna-se mecânica e os vínculos esmorecem. Por isso, educar com intenção é também um caminho de autocuidado — e de reconexão com o que nos move.

O que é educar com intenção?

Educar com intenção não se esgota no planeamento de objectivos.
É perguntar: Que tipo de presença quero ser na vida dos meus alunos?
É trazer atenção plena às interacções quotidianas. Questionar não só o que ensino, mas como ensino — e, sobretudo, para quê ensino.

Aqui, entrelaçam-se os quatro pilares que sustentam uma prática educativa viva e consciente: Consciência, Comunicação, Organização e Liderança. O educador que se cuida e se alinha com o seu propósito torna-se um modelo de autenticidade e coerência — e contribui para uma cultura escolar mais saudável e humana.

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Um olhar em sintonia com as orientações curriculares

Este olhar ecoa nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (DGE, 2016), que afirmam:

“O papel do educador é o de um profissional reflexivo que toma decisões intencionais e informadas, com vista à criação de contextos de aprendizagem e de bem-estar que respeitem a singularidade de cada criança” (p. 17).

Cultivar esta intencionalidade, no quotidiano de um jardim-de-infância — ou de qualquer contexto educativo — é reconhecer cada criança como sujeito de direitos. É promover ambientes de escuta, participação e construção conjunta do conhecimento. É também reforçar o papel do educador como mediador atento, consciente e coerente.

Os efeitos de uma prática intencional

Quando o educador actua em alinhamento com o seu propósito, a prática deixa de ser um conjunto de tarefas e transforma-se em fonte de realização pessoal e profissional.
As crianças sentem essa autenticidade — e respondem com maior envolvimento e segurança emocional.

Em contextos educativos onde se cultiva esta intenção, tende a emergir uma cultura de cuidado, de respeito e de crescimento partilhado. E o próprio educador encontra, nesse movimento, maior vitalidade e sentido na sua acção.

Um convite colectivo

Como, então, criar este espaço de intenção no dia-a-dia educativo?
Como sustentar este compromisso ético num contexto tão desafiante como o de uma escola?

Não há respostas universais. Cada contexto, cada grupo de crianças, cada educador pede um olhar atento e uma construção partilhada. É um caminho que se percorre em comunidade — com diálogo, reflexão e partilha contínua.

É precisamente este trabalho que procuro desenvolver com os educadores e agentes educativos com quem colaboro: ajudá-los a reconectar com o seu eixo, a clarificar o seu propósito, a alinhar práticas com valores — e a cultivar uma presença que realmente faça a diferença.

Porque educar com intenção é, antes de tudo, um acto colectivo.
E, tal como escrevi na semana passada: o que sentimos, o que somos, transparece e educa. Por isso, educar com intenção é também educar com amor e consciência.

Referência:
Direção-Geral da Educação (DGE) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Ministério da Educação.

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O Educador cansado não ensina o que Sabe — Ensina o que está a Sentir.